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Publicada em 26/02/2025 às 00:00 | Atualizada em 26/02/2025 às 11:23

Quitéria Chagas relembra quando desfilou com ligamentos do joelho rompidos e dá conselho para quem sonha em ser Rainha de Bateria

A artista conversou com exclusividade com o ESTRELANDO

Da Redação

AgNews

Quitéria Chagas faz parte da elite das Rainhas de Bateria e possui uma longa carreira no universo do samba, sempre entregando performances incríveis e fazendo história à frente da Império Serrano. A artista refletiu sobre a importância de seu posto, falou sobre seu legado e relembrou momentos marcantes de sua trajetória durante entrevista exclusiva ao ESTRELANDO.  

A famosa começa o bate citando o laçamento de se livro, Quitéria Chagas do Carnaval para o Mundo: A Rainha que Quebrou Barreiras, e destaca como defendeu a aprovação da Lei do Dia Nacional da Mulher Sambista.

- Como está no meu livro, que estou lançando, a minha trajetória foi melhor do que imaginava. De passista, virar atriz, ter formações em artes cênicas e psicologia sou doula. Também tem todos os engajamentos sociais que fiz para valorizar a mulher do samba na questão da mulher em si, como a Lei do Dia Nacional da Mulher Sambista, que defendi na Câmara Federal através de videoconferência na pandemia, e que foi aprovada e sancionada. Faz uma reparação histórica em relação a todas as mulheres que ficaram ocultadas pelo machismo, pelo racismo, desde as fundadoras das escolas de samba que tinham os nomes ocultados das atas, porque só podia assinar o do marido. Depois algumas escolas foram corrigindo isso nas suas atas. São várias histórias que a sociedade em geral não sabe, e o próprio jornalismo.

Em seguida, detalha como o seu posto da escola de samba vai muito além do glamour de desfilar da avenida, pois também tem uma grande importância social. 

- Eu como Rainha eu tenho uma responsabilidade muito grande de reeducar, contar a história de fato, como é, segundo os historiadores, transmitir, dar voz e ampliar essa história nas mídias. Essa é uma função importantíssima da Rainha. Além dela ter que representar a arte do samba no pé, principalmente o samba raiz, ancestral, que foi se perdendo por questões dos sambas de pessoas mediáticas, que foi reduzindo a movimentação desse samba. Nem melhor, nem pior apenas diferente. Mas que a gente também tem que ter o equilíbrio disso, equidade para a arte e a cultura do samba não morrer. A rainha tem que expressar musicalidade da bateria com corpo e ela virou uma porta-voz através do jornalismo e das mídias para contar a história, fazer relações-públicas, levantar a bandeira. Nós não somos uma personalidade do Carnaval, a gente representa a cultura brasileira. O Carnaval é onde nós estamos, mas acabamos faladas durante o ano inteiro.

Quitéria também relembra como foi pioneira em muitos campos:

- Agora, sou a primeira Rainha a virar escritora e escrever uma autobiografia contando a sua trajetória nessa comemoração de 25 anos de história de Carnaval. É uma trajetória marcante, que tem muitas contribuições. A primeira rainha ganhar a Medalha Tiradentes em 2010, que eu só fui receber ano passado [2024] por várias questões que estão no livro. Primeira Rainha que tem essa força de entrar numa questão política social de engajamento de causas de leis. A primeira que teve esses inúmeros posicionamentos de valorização da mulher do samba. A gente não tinha nem voz, ninguém queria entrevista com a gente, mas as coisas mudam, graças a Deus.

Questionada sobre qual foi o momento mais marcante de toda a sua carreira no samba, ela elege dois episódios memoráveis. O primeiro deles foi quando conquistou um papel como atriz na TV Globo, entrando para o elenco de Páginas da Vida, escrita por Manoel Carlos. Na trama, ela interpretava a personagem Dorinha e se tornou a primeira Rainha de Bateria a atuar em um uma novela. 

- Sempre questionei, porque tinha trajetória como atriz e nunca consegui fazer teste para novela, porque as pessoas tinham preconceito em relação à sambistas. Eu falei no jornal, o Manoel Carlos leu na época e me chamou para fazer o teste. Passei de primeira, entrei no elenco da novela e fui a primeira Rainha a ser atriz e entrar em uma novela. Isso para mim foi muito marcante, ele me deu um presente e falou: Sou Mangueirense, mas vou dar esse presente para você, vou colocar a sua personagem lá no final da novela como Rainha de Bateria para divulgar a sua escola, vou escrever o enredo da sua escola no texto, a sua personagem vai poder cantar e sambar em algum momento e a gente vai gravar você na avenida. Realizei um sonho, sempre quis divulgar minha escola também nesse sentido. Foi um presente, uma coisa maravilhosa, rodou o mundo inteiro e ainda roda. Para mim foi algo muito marcante, muito relevante. 

O segundo momento elegido por ela foi quando sofreu um acidente e fraturou o joelho em 2020, mas ainda assim entrou na Avenida. Apesar de precisar fazer cirurgia e sofrer com fortes, Quitéria não quis deixar de representar sua escola de samba, que passava por dificuldades. Ela reuniu forças, pediu à Regina Casé indicação de um fisioterapeuta e desfilou no Carnaval. 

- A outra vez foi sambar sem o ligamento cruzado anterior e sem o menisco na Avenida em 2020, naquele período antes do boom da pandemia. Eu tinha feito um reality show da Sabrina Sato, o Made in Japão. Sofri um acidente lá, rompi o joelho. Não era para desfilar, o médico falou que tinha que operar, mas falei: Eu vou desfilar. Procurei um fisioterapeuta que recuperou o Estevão, marido da Regina Casé, ela me deu o contato dele. Ela foi a única pessoa que ficou sabendo disso e guardou segredo. Ele me reabilitou. Mesmo sendo impossível, consegui atravessar a avenida sem ligamentos. Isso nunca aconteceu na história do Carnaval, como Rainha de Bateria. Amarraram meu joelho, caso eu caísse. Se o joelho saísse do lugar, eu ia desmontar. A dor foi absurda, foi uma lembrança terrível, mas importante, porque foi inspiração. Consegui desenvolver a minha função como Rainha de Bateria sambando. 

E completa: 

- Não foi 100% como eu sambo, mas eu não ia desfalcar a minha escola no pior momento dela, quando estava mal financeiramente, mas fantasias estavam inacabadas. Poderia ter dado um laudo falando que não ia desfilar, que quebrei o joelho, mas eu quis estar naquele momento. Fiz questão e foi muito importante. Foram momentos incríveis, difíceis, de superação que eu enfrentei e que, ao mesmo tempo, também trouxeram algumas mudanças no cenário do Carnaval. 

Em relação à preparação para o desfile de 2025, ela esclarece que não sofre com pressões da sociedade em relação ao preparo físico, mas que, na verdade, vai em busca de seu próprio ideal e metas. 

- Como voltei da Itália, que estava morando lá há sete anos e meu marido infelizmente faleceu em 2023, continuo com minha vida e casa lá. Estou tendo essas duas vidas, que tenho cidadania italiana. Voltei ao Brasil e reestruturei minha vida aqui. Me matriculei em uma academia que sempre quis frequentar, que ela constrói corpos e é perfeita para preparação física e condicionamento. Através dos meus objetivos e do meu padrão que escolhi para mim de corpo, que são meus desejos e sonhos. Não tem pressão social, a gente já é adulto e nada me pressiona mais na minha vida. São escolhas pautadas nos meus desejos. A sociedade não me pressiona em nada, ninguém me pressiona. Eu que me pressiono por mim própria. 

Quitéria ainda deixa um conselho para todas as meninas que sonham em se tornar Rainhas de Bateria:

- O fundamental é entrar em uma aula de passistas para você aprender a sambar, porque sem isso não tem como ser [Rainha]. Tem gente até que tenta, mas não é legal. Não é bacana no contexto social e de toda a história do movimento do samba, porque existe um fundamento histórico para existir a cultura do samba e do Carnaval, que foi a valorização da cultura afro. A cultura preta que criou tudo isso. Se tornou um universo plural entre raças, grupos sociais diferentes, mas a essência, a gente não pode deixar morrer. E não pode deixar de propagar isso, deixar esse legado e dar continuidade. Também é fundamental estudar, saber a história, o conhecimento, como surgiu o Carnaval. Se você entrar numa escola, procura a velha guarda, porque a história não está no Google. Leiam livros sobre a história do Carnaval, sobre a cultura preta, sobre as personalidades antigas do Carnaval. 

Ela ressalta a importância de valorizar aqueles que vieram antes e são veteranos no Carnaval e no samba:

- Respeitem os mais velhos, principalmente as pessoas que vieram antes. Por mais que você tenha poder ou status, não se ache o supra-sumo do supra-sumo, porque a gente nunca é. E a gente tem que valorizar quem chegou antes, dar valor à arte genuína, aos artistas, aos profissionais genuínos do Carnaval também. Não só se preocupar com o físico, com a imagem, com a forma. Isso é legal, isso é importante, mas você tem que criar o seu diferencial. Principalmente a questão do samba no pé. A Rainha, o passista, o sambista, conta a história do contexto social com o corpo. É isso que nós fazemos também.



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Quitéria Chagas relembra quando desfilou com ligamentos do joelho rompidos e dá conselho para quem sonha em ser Rainha de Bateria

Quitéria Chagas relembra quando desfilou com ligamentos do joelho rompidos e dá conselho para quem sonha em ser Rainha de Bateria

03/Mai/

Quitéria Chagas faz parte da elite das Rainhas de Bateria e possui uma longa carreira no universo do samba, sempre entregando performances incríveis e fazendo história à frente da Império Serrano. A artista refletiu sobre a importância de seu posto, falou sobre seu legado e relembrou momentos marcantes de sua trajetória durante entrevista exclusiva ao ESTRELANDO.  

A famosa começa o bate citando o laçamento de se livro, Quitéria Chagas do Carnaval para o Mundo: A Rainha que Quebrou Barreiras, e destaca como defendeu a aprovação da Lei do Dia Nacional da Mulher Sambista.

- Como está no meu livro, que estou lançando, a minha trajetória foi melhor do que imaginava. De passista, virar atriz, ter formações em artes cênicas e psicologia sou doula. Também tem todos os engajamentos sociais que fiz para valorizar a mulher do samba na questão da mulher em si, como a Lei do Dia Nacional da Mulher Sambista, que defendi na Câmara Federal através de videoconferência na pandemia, e que foi aprovada e sancionada. Faz uma reparação histórica em relação a todas as mulheres que ficaram ocultadas pelo machismo, pelo racismo, desde as fundadoras das escolas de samba que tinham os nomes ocultados das atas, porque só podia assinar o do marido. Depois algumas escolas foram corrigindo isso nas suas atas. São várias histórias que a sociedade em geral não sabe, e o próprio jornalismo.

Em seguida, detalha como o seu posto da escola de samba vai muito além do glamour de desfilar da avenida, pois também tem uma grande importância social. 

- Eu como Rainha eu tenho uma responsabilidade muito grande de reeducar, contar a história de fato, como é, segundo os historiadores, transmitir, dar voz e ampliar essa história nas mídias. Essa é uma função importantíssima da Rainha. Além dela ter que representar a arte do samba no pé, principalmente o samba raiz, ancestral, que foi se perdendo por questões dos sambas de pessoas mediáticas, que foi reduzindo a movimentação desse samba. Nem melhor, nem pior apenas diferente. Mas que a gente também tem que ter o equilíbrio disso, equidade para a arte e a cultura do samba não morrer. A rainha tem que expressar musicalidade da bateria com corpo e ela virou uma porta-voz através do jornalismo e das mídias para contar a história, fazer relações-públicas, levantar a bandeira. Nós não somos uma personalidade do Carnaval, a gente representa a cultura brasileira. O Carnaval é onde nós estamos, mas acabamos faladas durante o ano inteiro.

Quitéria também relembra como foi pioneira em muitos campos:

- Agora, sou a primeira Rainha a virar escritora e escrever uma autobiografia contando a sua trajetória nessa comemoração de 25 anos de história de Carnaval. É uma trajetória marcante, que tem muitas contribuições. A primeira rainha ganhar a Medalha Tiradentes em 2010, que eu só fui receber ano passado [2024] por várias questões que estão no livro. Primeira Rainha que tem essa força de entrar numa questão política social de engajamento de causas de leis. A primeira que teve esses inúmeros posicionamentos de valorização da mulher do samba. A gente não tinha nem voz, ninguém queria entrevista com a gente, mas as coisas mudam, graças a Deus.

Questionada sobre qual foi o momento mais marcante de toda a sua carreira no samba, ela elege dois episódios memoráveis. O primeiro deles foi quando conquistou um papel como atriz na TV Globo, entrando para o elenco de Páginas da Vida, escrita por Manoel Carlos. Na trama, ela interpretava a personagem Dorinha e se tornou a primeira Rainha de Bateria a atuar em um uma novela. 

- Sempre questionei, porque tinha trajetória como atriz e nunca consegui fazer teste para novela, porque as pessoas tinham preconceito em relação à sambistas. Eu falei no jornal, o Manoel Carlos leu na época e me chamou para fazer o teste. Passei de primeira, entrei no elenco da novela e fui a primeira Rainha a ser atriz e entrar em uma novela. Isso para mim foi muito marcante, ele me deu um presente e falou: Sou Mangueirense, mas vou dar esse presente para você, vou colocar a sua personagem lá no final da novela como Rainha de Bateria para divulgar a sua escola, vou escrever o enredo da sua escola no texto, a sua personagem vai poder cantar e sambar em algum momento e a gente vai gravar você na avenida. Realizei um sonho, sempre quis divulgar minha escola também nesse sentido. Foi um presente, uma coisa maravilhosa, rodou o mundo inteiro e ainda roda. Para mim foi algo muito marcante, muito relevante. 

O segundo momento elegido por ela foi quando sofreu um acidente e fraturou o joelho em 2020, mas ainda assim entrou na Avenida. Apesar de precisar fazer cirurgia e sofrer com fortes, Quitéria não quis deixar de representar sua escola de samba, que passava por dificuldades. Ela reuniu forças, pediu à Regina Casé indicação de um fisioterapeuta e desfilou no Carnaval. 

- A outra vez foi sambar sem o ligamento cruzado anterior e sem o menisco na Avenida em 2020, naquele período antes do boom da pandemia. Eu tinha feito um reality show da Sabrina Sato, o Made in Japão. Sofri um acidente lá, rompi o joelho. Não era para desfilar, o médico falou que tinha que operar, mas falei: Eu vou desfilar. Procurei um fisioterapeuta que recuperou o Estevão, marido da Regina Casé, ela me deu o contato dele. Ela foi a única pessoa que ficou sabendo disso e guardou segredo. Ele me reabilitou. Mesmo sendo impossível, consegui atravessar a avenida sem ligamentos. Isso nunca aconteceu na história do Carnaval, como Rainha de Bateria. Amarraram meu joelho, caso eu caísse. Se o joelho saísse do lugar, eu ia desmontar. A dor foi absurda, foi uma lembrança terrível, mas importante, porque foi inspiração. Consegui desenvolver a minha função como Rainha de Bateria sambando. 

E completa: 

- Não foi 100% como eu sambo, mas eu não ia desfalcar a minha escola no pior momento dela, quando estava mal financeiramente, mas fantasias estavam inacabadas. Poderia ter dado um laudo falando que não ia desfilar, que quebrei o joelho, mas eu quis estar naquele momento. Fiz questão e foi muito importante. Foram momentos incríveis, difíceis, de superação que eu enfrentei e que, ao mesmo tempo, também trouxeram algumas mudanças no cenário do Carnaval. 

Em relação à preparação para o desfile de 2025, ela esclarece que não sofre com pressões da sociedade em relação ao preparo físico, mas que, na verdade, vai em busca de seu próprio ideal e metas. 

- Como voltei da Itália, que estava morando lá há sete anos e meu marido infelizmente faleceu em 2023, continuo com minha vida e casa lá. Estou tendo essas duas vidas, que tenho cidadania italiana. Voltei ao Brasil e reestruturei minha vida aqui. Me matriculei em uma academia que sempre quis frequentar, que ela constrói corpos e é perfeita para preparação física e condicionamento. Através dos meus objetivos e do meu padrão que escolhi para mim de corpo, que são meus desejos e sonhos. Não tem pressão social, a gente já é adulto e nada me pressiona mais na minha vida. São escolhas pautadas nos meus desejos. A sociedade não me pressiona em nada, ninguém me pressiona. Eu que me pressiono por mim própria. 

Quitéria ainda deixa um conselho para todas as meninas que sonham em se tornar Rainhas de Bateria:

- O fundamental é entrar em uma aula de passistas para você aprender a sambar, porque sem isso não tem como ser [Rainha]. Tem gente até que tenta, mas não é legal. Não é bacana no contexto social e de toda a história do movimento do samba, porque existe um fundamento histórico para existir a cultura do samba e do Carnaval, que foi a valorização da cultura afro. A cultura preta que criou tudo isso. Se tornou um universo plural entre raças, grupos sociais diferentes, mas a essência, a gente não pode deixar morrer. E não pode deixar de propagar isso, deixar esse legado e dar continuidade. Também é fundamental estudar, saber a história, o conhecimento, como surgiu o Carnaval. Se você entrar numa escola, procura a velha guarda, porque a história não está no Google. Leiam livros sobre a história do Carnaval, sobre a cultura preta, sobre as personalidades antigas do Carnaval. 

Ela ressalta a importância de valorizar aqueles que vieram antes e são veteranos no Carnaval e no samba:

- Respeitem os mais velhos, principalmente as pessoas que vieram antes. Por mais que você tenha poder ou status, não se ache o supra-sumo do supra-sumo, porque a gente nunca é. E a gente tem que valorizar quem chegou antes, dar valor à arte genuína, aos artistas, aos profissionais genuínos do Carnaval também. Não só se preocupar com o físico, com a imagem, com a forma. Isso é legal, isso é importante, mas você tem que criar o seu diferencial. Principalmente a questão do samba no pé. A Rainha, o passista, o sambista, conta a história do contexto social com o corpo. É isso que nós fazemos também.